As pessoas, em geral, apegam-se excessivamente, diria que obsessivamente, às coisas.
Os objetos desse apego são múltiplos: um carro, uma casa, um barco, um livro e principalmente o que lhes possibilita adquirir todos esses bens: o dinheiro. Mais da metade do tempo de nossa vida gastamos na tentativa de conseguir essas coisas todas.
Pretextos não faltam para justificar essa atitude, tida como normal pela maioria. Agimos como se da sua posse dependesse a nossa sobrevivência. Não depende. Ademais, viver é muito mais importante do que nos limitarmos a sobreviver.
E precisamos de pouco, de pouquíssimo para isso. Para obter os objetos dos nossos desejos, não titubeamos em sacrificar valores que realmente importam: amor, amizades, solidariedade, altruísmo, justiça etc.
Isto quando não transgredimos a moral ou as leis para conseguir os bens que tanto nos obcecam. Perdemos a grandeza com a perda da perspectiva.
Erich Fromm abordou, no livro “Ter e ser”, essa questão em profundidade, com análises exatas e sumamente verdadeiras a respeito. Apesar de haver tratado com perícia e competência do assunto, no entanto, ele é tão amplo, que enseja novas reflexões, não feitas pelo célebre psiquiatra e sociólogo.
Ambos verbos tratam, primariamente, da mesma coisa: de valores. Todavia, no primeiro caso, refere-se aos materiais e, no segundo, aos espirituais. O ter trata do concreto e o ser do abstrato.
O primeiro detém-se na posse de coisas e o segundo, da nossa essência, do nosso âmago, do nosso espírito, da nossa personalidade.
É errado dizer, por exemplo, que “temos” bondade. O correto é afirmar que “somos” bons (ou não somos, quando for o caso). Ninguém “tem” solidariedade, mas “é” solidário. Não se “tem” amor, mas se “é” amoroso. Não se “tem” fidelidade, mas se “é” fiel. E vai por aí afora.
O ter implica em posse (na verdade, transitória), que pode ser perdida a qualquer momento, ou em decorrência de doação do que possuímos, ou de irremediável avaria do bem, ou da sua perda, ou de roubo e assim por diante. O ser, por seu turno, sugere permanência, embora, admito, as pessoas possam se degradar e deixar de exercer as virtudes que exerciam (o que, diga-se de passagem, nem mesmo é raro).
Não se trata de mera questão semântica, como pode parecer à primeira vista, mas é uma distinção bastante lógica e até óbvia.
A absoluta maioria das pessoas vive sem saber por que e, principalmente, “para que”. Despende o melhor de sua capacidade e suas energias, tanto físicas, quanto mentais, em busca de miragens, de fantasias, de ilusões, de bugigangas, ou seja, do que entendem como “riqueza”. Ou então, do tal do poder, que nada pode, porquanto não nos livra da decadência, velhice e morte.
Raramente pensamos em nossa efemeridade, no fato de agora estarmos aqui, vivos, saudáveis e cheios de ilusões e planos e, no minuto seguinte… zás, deixarmos de viver, sem a mais remota possibilidade de retorno. Raramente nos damos conta que viemos ao mundo não para receber, mas para dar. Não para sermos servidos, mas para servir. Não para ter, mas para ser.
Li, há algum tempo, esta mensagem, divulgada pelo Greenpeace, na internet, que deveria ser objeto de profunda e permanente reflexão, de preferência diária, de cada um de nós. Diz: “Quando a última árvore tiver caído, quando o último rio tiver secado, quando o último peixe for pescado, vocês vão entender que dinheiro não se come”.
Será preciso chegarmos a tanto para salvar nosso pobre Planeta, que pede socorro, sem que ninguém o ouça?! Será necessário atingir esse ponto sem retorno para que entendamos a inutilidade do ter e a necessidade do ser?
Admiramos heróis e santos do passado, de épocas bastante remotas que entendemos tenham sido gloriosas e inesquecíveis. Porém, não raro, nos sentimos diminuídos face à grandeza desses mitos. Tolice! Todos temos, adormecidas, as características que levaram esses vultos às grandes realizações que os caracterizaram. Basta, apenas, que as identifiquemos e desenvolvamos.
E que venhamos a agir. Eles agiram, por isso se tornaram santos e heróis.
Nosso potencial é grandioso e não ficamos devendo nada a ninguém, seja de que época for. Fernando Pessoa faz essa constatação nesses magníficos versos: “Todas as épocas me pertencem um momento/todas as almas um momento tiveram seu lugar em mim”. Mas, para agir como esses heróis e santos, que tanto reverenciamos (com justiça), teremos que agir como eles. Ou seja, devemos ser desprendidos, abnegados, solidários, altruístas e corajosos.
Temos que ser construtivos e justificar nossa passagem pelo mundo. Não viemos para cá a toa. A espaçonave Terra não comporta passageiros e muito menos turistas. Todos somos tripulantes e temos tarefas a cumprir.
Devemos cuidar do nosso crescimento pessoal, apostar todas as nossas fichas no ser e, quanto ao ter, buscar apenas o indispensável para uma vida digna e civilizada. Afinal, viver é muito mais nobre, útil e agradável do que meramente sobreviver. E isso tem tudo a ver com o “ser” e muito pouco, ou talvez nada com o “ter”.
É BOM QUANDO CONSEGUIMOS DEIXAR O APEGO E VIVER LIVERMENTE.TEMOS QUE SEGUIR O NOSSO CAMINHO, AO NOSSO RITMO E COM CONFIANÇA NO NOSSO SER.
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